domingo, 22 de junho de 2008

Pausa para um cigarro

Estava eu foleando uma revista Época, datada de 19 de maio de 2008, quando me deparei com a coluna de Adriano Silva, Nosso Tempo, com o título "O cigarro está com os dias contados", que me chamou muito atenção por ser um fumante. Pois bem, resolvi transcrever o artigo, na integra, a fim de dividir essa opinião com quem quiser ler:

"O cigarro está com os dias contados

Fumar é um hábito que morreu socialmente, tanto quanto usar chapéu ou cuspir em escarradeiras. O mundo está dividido em ex-fumantes e gente que nunca vai colocar um cigarro na boca. O grupo dos ex-fumantes é composto também de ex-boêmios, ex-românticos, ex-poetas, ex-artistas. Gente que já fumou muito e parou. E que, coincidência ou não, também parece já ter vivido seus melhores dias. Apesar de terem hoje dentes mais brancos e uma pele melhor, os neocaretas exalam um pouco o ar daquelas pessoas que já foram mais relevantese mais felizes.
Como o mundo desembocou nessa rua sem saída para o cigarro? Ao longo de um século, fumar foi um hábito para lá de acieto: era um rito de passagem desejado, um gesto de glamour cultuado, quase um sinal de normalidade - esquesito era o sujeito que não carregava um maço no bolso. O cigarro era um companheiro que inspirava, consolava, ajuda a celebrar momentos bons, redimir passagens ruins e trafegar por horas solitárias. O cigarro estava na televisão, no cinema nas revistas, nas crônicas de Rubem Braga e de Nélson Rodrigues. Estava em todo lugar: na sala de casa, no consultório médico, nos elevadores, na boca dos pedreiros e dos banqueiros.
Para quem nasceu ontem, no entanto, fumar é apenas um ato vergonhoso, quase uma fraqueza moral. O fumante é visto como um viciado, um doente, alguém que incomoda. O golpe derradeiro é a recente proibição do cigarro nos cafés franceses - ícone máximo daquela imagem idílica do cigarro como universo temático, como dimensão estética. Até isso está virando fumaça.
Alguém dirá que o grande responsável por essa derrocada é o câncer. Acredito que o carcinoma - para não falar no mau hálito - tenha sua parcela de culpa. Mas acho que há um fator ainda mais forte para o banimento do tabaco. Trata-se do espírito hedonista do cigarro, que perdeu o lugar neste mundo prático, financista e sem graça em que vivemos. O algoz do fumacê não é a medicina: é o puritanismo. O cigarro é uma auto-indulgência num mundo que cobra estoicismo a todo momento. O cigarro é uma pausa, um tempo que dedicamos a nós mesmos a num mundo acelerado, em que o tempo não nos pertence mais. O cigarro é uma pequena transgressão num mundo cujas engrenagens não permitem desobediência. O cigarro é uma irracionalidade num mundo regido pela correção política. O cigarro é um prazer é um prazer solitário, sujo, fora da lei, num mundo gandemente asséptico e moralista. O cigarro tem um quê de lassidão e poesia - e não há mais lugar para isso. Eis o que eu lamento: o cigarro está desaparecendo muito mais pelo que ele traz de bom ao espírito do que pelo que faz mal ao corpo. Por tudo isso, desconfio que o mundo fica um lugar pior sem o cigarro."

(Adriano Silva, jornalista, escreve para a revista Época)

Faço destas as minhas palavras. Agora retiro-me para o meu momento de prazer solitário.

3 comentários:

Fernanda Samico disse...

Uhm, não sei... Ponho na balança: transgressão ou enfisema pulmonar? Glamour ou enfisema pulmonar?
Hedonismo ou enfisema pulmonar?
Tãããão difícil decidir, né?
Bjs!

Unknown disse...

É particularmente deprimente ver a derrocada da época do glamour. Hoje em dia glamour é o banal, o "conceitual". Desde pequena queria me ver fumando um cigarro e debatendo algum autor interessante num bar de blues no Soho. Se levarmos em consideração que fui criada na favela, e, que do sonho só sobrou o cigarro, pode-se dizer que atingi 25% da minha meta, não?
Nessa brincadeira só sobraram os debates virtuais sobre as motivações do Raskólnikov no orkut, permeadas por dúzias e dúzias de kkk e i o q vc axa? Estou tão deprimida que vou acender um cigarro.
Momento solitário, indeed!

Giana!! disse...

Olha, que texto bom!

Pois é. Eu sou e não sou fumante.
Já fumei. Aliás, acho bem difícil quemn já não tenha tentado pelo menos uma vez na vida.
Comecei assim, como os meus amigos dessa idade, comecei por puro tédio num dia em que não havia nada pra fazer.
Fomos pra uma festa e como a festa não oferecia nada de bom, resolvemos conhecer o dito cujo do cigarro. Devo dizer que pra mim aquele foi um grande passo, levando em conta que tinha acabado de voltar de uma temporada de 3 anos num comvento. Estava com 15 anos e desde o nascimento tinha problemas respiratórios. Lá se foi eu conhecer o diabólico. Que nada. Nem consegui traguear: "nossa, mas que troço chato que não faz nada além de deixar a gente com mal cheiro", pensei eu.
Dali um mês, naquelas festas libertinosas de amigos, eis que não satisfeita com meu insucesso, resolvi tentar de novo. E não é que deu certo! Sim, tanto que só vi o mundo girar e eu me indo ao chão. Era meu pulmão problemático gritando!
O tempo passou e eu continuei fumando, de fim-de-semana, com amigos e com bebida. Só essa mistura fazia com que eu fumasse.
Era o topo da provocação, da transgressão.
Não era como o sexo. Que se praticava as escuras, a dois.
Era na frente de todos os amigos, e depois na frente dos amigos dos amigos e no fim, na frente daqueles que não iriam contar aos pais.
Mas passou. Talvez porque as companhias mudaram. As de agora fumam, mas não representam tudo aquilo que as outras eram.
Eu fui diminuindo, diminuindo.
Depois comecei me sentir mal com a saliva grossa e com o cheiro do outro dia.
O último motivo foi um garoto, eu não queria "feder" fumaça perto dele.
E assim se foi.
Eu era fumante. E eu sou fumante, porque de vez em quando ainda dou umas pitadas.
Eu não sei bem certo o que sou, mas ainda naum quero cheirar mal para aquele garoto!

Eita, acabei escrevendo um texto também.
Me empolguei!

Bjoo

Obs. Pra mim, nunca foi um prazer solitário.